Um clima de indefinição ronda o setor imobiliário brasileiro. Faltando aproximadamente seis meses para a largada da divulgação dos números consolidados do ano, construtores e auditores ainda não chegaram a um consenso sobre a adesão ao padrão internacional, o chamado International Financial Reporting Standards - IFRS.
O centro da discussão é a alteração no reconhecimento de receita das companhias do ramo de construção, tanto as de capital aberto como as fechadas, com faturamento acima de R$ 300 milhões.
No Brasil, os balanços do setor acompanham o desenvolvimento das obras, o modelo Percentage of Completion (POC) - ou percentual de conclusão, na sigla em inglês. Na nova regra, obedecendo a lógica do negócio, o dinheiro só entra oficialmente quando as chaves forem entregues ao proprietário do imóvel.
Ainda há muita polêmica e falta de clareza sobre o tema, admite Tadeu Céndon, sócio da Price. No entanto, isso não pode fazer com que as empresas deixem de alertar seus acionistas sobre os possíveis impactos das alterações.
A nova norma pode pressionar o Valor Geral de Vendas, principal indicador das companhias do setor. A atenção dos analistas será redobrada, pois há muita pressão para que as empresas entreguem o que prometeram, diz.
Céndon lembra que uma das formas de tranquilizar o mercado é abastecê-lo com um número maior de informações. Balanços trimestrais robustos, recheados com notas informativas e cenários para esclarecer como a empresa pretende honrar o fluxo de pagamento de dividendos, serão ferramentas usadas pelas empresas que fizerem a lição de casa.
Os benefícios da divulgação são maiores que os eventuais prejuízos em não divulgar a alteração adequadamente. As empresas precisam deixar claro que seus fundamentos permanecem. Em outras palavras: o novo modelo contábil não tem o poder de tornar uma empresa melhor ou pior do que era.
Se para as companhias listadas a principal preocupação é comunicar os impactos da nova norma para que o mercado não castigue suas ações na bolsa, para as de capital fechado os focos de atenção são outros, diz Julian Clemente, sócio de auditoria da Crowe Horwath RCS. Elas temem ver suas receitas encolherem temporariamente, o que pode fazer com que os bancos dificultem ou simplesmente não aceitem abrir linhas de financiamento.
A regra que altera a forma de contabilizar as receitas das empresas do setor é tão complexa que tem provocado discussões acaloradas no mundo todo. E por aqui não tem sido diferente. Um grupo formado por grandes empresas de contabilidade, analistas de bancos de investimentos e representantes das companhias tem debatido o tema, cujo desfecho deve ocorrer entre o fim deste mês e o próximo.
A decisão de adotar a norma está condicionada à definição de uma dúvida: as empresas do segmento fazem uma venda com entrega futura ou são meras prestadoras de serviços. A norma sobre receitas se aplica ao primeiro caso, diz Walter Dalsasso, da Deloitte.
Mas o que de fato parece inquietar as empresas nesse processo é o ciclo das obras. Ou seja, o intervalo que uma incorporadora demora entre o lançamento de um projeto e a efetiva entrega da unidade a seu proprietário. No Brasil, esse tempo é maior, de cerca de 30 meses, estima Dalsasso. E deixar de fora dos balanços receitas por todo esse tempo é a grande preocupação do setor.
CONSENSO
Segundo o professor Eliseu Martins, um dos grandes especialistas em contabilidade internacional no Brasil, a discussão está bastante evoluída e deve levar a um consenso rapidamente. Ele faz parte do grupo de trabalho da Comissão de Valores Mobiliários - CVM -, que discute o tema desde março.
Qualquer adiamento é descartado. Não há qualquer previsão ou intenção de postergar. O prazo para aplicação das normas está mantido, afirma José Carlos Bezerra, gerente da superintendência de normas contábeis e auditoria da CVM.
Fonte: Brasil Econômico