Ao contrário da declaração de ajuste anual de Imposto de Renda (IR), que fica a cada edição mais automatizada e, dentro do possível, simples, a vida tributária do investidor de renda variável não tem se tornado mais fácil. Desde o crescimento da participação de pessoas físicas na bolsa de valores, com a chegada do home broker, sistema de negociação via internet, no fim dos anos 90, o processo é o mesmo. Ou seja, totalmente manual.
O próprio investidor em bolsa é o responsável por fazer o controle das operações, apurar o ganho ou prejuízo e recolher o IR em todos os meses nos quais tiver variação positiva de capital. Por isso, não é raro haver contradições de informações e atrasos entre aplicadores, principalmente aqueles com pouca experiência.
Todos os anos, de março a abril, o acerto de contas com o Leão volta a ocupar o topo da lista de obrigações de grande parte da população. Neste ano, nada menos que 26 milhões de declarações serão enviadas à Receita Federal, de acordo com as estimativas do órgão. A exigência e a periodicidade desse compromisso fiscal, no entanto, podem confundir os novatos da renda variável. É comum o investidor iniciante que opera sozinho descobrir só no ano seguinte, quando vai fazer a declaração, que deveria ter feito o recolhimento do IR antes da declaração, afirma Roberto Justo, sócio do escritório de advocacia especializado em tributação Choaib, Paiva e Justo.
Esse atraso pode custar caro, principalmente em tempos de juros básicos de um dígito. A mordida da Receita Federal pode se tornar uma espécie de fiel da balança para definir se haverá ganhos ou perdas nas aplicações. O recolhimento fora do prazo significa multa diária de 0,33%, limitada a 20%, mais a variação acumulada da Selic sobre o valor do IR devido.
Desse modo, se o investidor descobrir só agora, na declaração anual, que deveria ter feito o recolhimento, teria de pagar 27,13%, ou seja, 20% de multa acrescida de 7,13% dos juros da Selic até 8 de março sobre o imposto devido. Essa despesa extra equivaleria a 4% do retorno total, além dos 15% de Imposto de Renda que já deveriam ter sido pagos. Sobre uma rentabilidade da carteira de 10% anual, líquida de IR, a diferença significaria não só perder todo o ganho real obtido, mas entrar no terreno do juro negativo, se for considerada a inflação de 6,31% em 12 meses até fevereiro.
Quem investe em renda variável tem de recolher o imposto até o último dia útil do mês seguinte à apuração de ganhos. E não junto com a declaração anual. O pagamento do IR, de 15% para operações tradicionais e de 20% para o day trade, quando o negócio ocorre em um mesmo dia, é feito por meio de uma Darf, guia de recolhimento específica, que pode ser obtida on line no site da Receita ou gerada pelo programa Siscalc, obtido gratuitamente no portal do órgão federal.
Na declaração anual, o investidor vai preencher uma espécie de relatório sobre a movimentação no ano-base. Dividendos, por exemplo, entram na categoria Rendimentos Isentos e Não Tributáveis. Já os ganhos líquidos das operações e os valores recebidos na forma de juros sobre capital próprio (JCP) são declarados como Rendimentos Sujeitos à Tributação Exclusiva/Definitiva.
O contribuinte deve ainda preencher um anexo específico, o Demonstrativo de Apuração dos Ganhos em Renda Variável, no qual detalha o resultado das transações, discriminadas por mês, tipo de operação (comum ou day trade) e segmento (à vista, de opções, futuro e a termo). Ações em carteira e as posições em contratos de opções, a termo e futuro existentes no dia 31 de dezembro são declarados como Bens e Direitos. Nessas fichas devem também ser informados os valores de aquisição de cada lote e contrato.
Em uma situação extrema, se a Receita considerar um caso de sonegação, o prejuízo será certo. Isso porque a penalidade mínima a ser aplicada é de 75% sobre o ganho total e não apenas em relação ao imposto devido. A punição pode ser agravada para 150% se ficar comprovada a sonegação ou uma fraude, afirma Eliana Lopes, coordenadora de IR da consultoria especializada em tributação H&R Block. Além disso, continuam a valer a multa sobre o valor devido e a correção pela Selic.
E não há como escapar: a Receita Federal faz o controle de todas as operações na renda variável por meio de um IR simbólico retido na fonte pela corretora. Para o mercado à vista, há alíquota de 0,005%. No day trade, de 1%.
Se existe confusão em relação ao período de recolhimento, as regras complexas para a apuração dos ganhos com a renda variável podem abrir brechas para outros tipos de erros. A isenção de IR para negócios de até R$ 20 mil no mês, por exemplo, só existe nas operações à vista.
Para o diretor executivo da corretora Icap, Paulo Levy, a regra da isenção exemplifica como o aplicador se arrisca a perder dinheiro quando não recebe orientação devida sobre o IR. Segundo ele, deixar de pagar imposto sobre operações à vista de até R$ 20 mil no mês é uma grande vantagem fiscal para o pequeno investidor. Sempre orientamos os clientes - e 90% se enquadram nesse volume financeiro - que, se a pessoa quiser vender mais de R$ 20 mil, deve fazê-lo em dois meses, para manter o benefício.
Operações nos segmentos de opções, a termo, futuro e aluguel de ações também não contam com esse benefício e pagam imposto sobre ganhos de qualquer valor. A isenção é bem específica, voltada para compra e venda de ações. Sobre o day trade, mesmo no mercado à vista, não se aplica o benefício, diz Eliana, da H&R Block.
O investidor tem de ficar atento também às regras das demais modalidades da renda variável. Os Exchange Traded Funds (ETFs), fundos de índice com cotas negociadas na bolsa, também não contam com isenção de IR até R$ 20 mil. A alíquota para esse gênero é a mesma dos ganhos no mercado acionário.
No caso dos fundos imobiliários, embora o rendimento esteja isento, quando há venda de cotas com ganho de capital, existe a incidência de IR, com alíquota de 20%. Nessa situação, entretanto, o recolhimento ocorre na fonte.
No aluguel de ações, a rentabilidade apurada pelo doador, ou seja, de quem empresta os papéis, está sujeita à tributação de acordo com a tabela regressiva da renda fixa, que começa em 22,5% para operações de seis meses ou menos, até 15%, em prazos superiores a dois anos. O tomador, por sua vez, paga o IR com as mesmas alíquotas dos demais mercados, como as opções.
Um benefício que pode causar confusão é a possibilidade de se compensar os prejuízos de um mês no período seguinte. O problema é que, por falta de informação, o contribuinte pode esquecer de fazer a compensação e pagar imposto a mais, diz Roberto Justo, do escritório Choaib, Paiva e Justo. Neste caso, o aplicador não pode compensar a perda acumulada por meio da declaração anual. Existe um mecanismo próprio. O contribuinte tem um crédito fiscal, corrigido pela Selic, e pode fazer um pedido de restituição desse imposto pago a mais no próprio site da Receita, explica Eliana, da consultoria H&B.
Fonte: Valor Econômico