Independentemente de questões regulatórias decididas pelo governo ou do nível de demanda por novos apartamentos, algumas empresas de energia e a maioria do setor de incorporação imobiliária já tem uma certeza sobre o balanço de 2013: suas receitas e seus ativos vão diminuir. Em alguns casos, essa redução pode variar de 10% a 25%.
O motivo é uma nova mudança contábil, daquelas que não têm efeito caixa, como gostam de dizer os executivos, mas cuja capacidade de estrago nas contas pode muito bem ter efeitos imediatos sobre as ações das empresas.
A partir de 2013, os números das joint ventures (empresas em que o controle é compartilhado) passarão a ser contabilizados pela empresa investidora pelo método de equivalência patrimonial, em apenas uma linha na demonstração de resultados e em uma linha no balanço patrimonial.
Até este ano - com raras exceções de empresas que se anteciparam -, a regra usada no Brasil determina que esses investimentos sejam consolidados linha a linha no balanço da empresa investidora, com registro de receitas e despesas, ativos e passivos, de forma proporcional à fatia no capital total da investida.
Em termos de lucro líquido e patrimônio líquido, nada muda. Mas as empresas vão parecer mais enxutas quando o analista olhar a receita e o total de ativos.
O professor Eliseu Martins, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários, diz que uma das preocupações das empresas é que muitos rankings, que listam as maiores companhias do país ou de um setor, são estabelecidos por meio desses dois critérios.
Mas o impacto pode ir além.
A Cemig, uma das maiores empresas do setor elétrico do país, deixará de consolidar os números de empresas importantes como a distribuidora Light e transmissora de energia Taesa, em que divide o controle, e possui 26% e 43% do capital, respectivamente.
É um efeito muito grande. Se tomarmos como base o balanço de 2011, deixaremos de consolidar 25% do Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), afirma o superintendente de controladoria da Cemig, Leonardo George de Magalhães.
O executivo faz questão de ressaltar que o negócio da empresa continuará o mesmo, mas reconhece que será necessário um esforço de comunicação com o mercado, para evitar que análises subjetivas ligadas ao tamanho da empresa possam mudar a percepção dos investidores.
A saída que será usada pela Cemig deve ser a divulgação de números pro forma, para permitir que os investidores e analistas acompanhem o desempenho da empresa pelo critério anterior.
Magalhães diz também que a Cemig ainda faz as contas para saber se haverá impacto em limites de endividamento previstos em contratos de dívida. Quando calculado tendo como referência o patrimônio líquido, o endividamento das empresas tenderá a cair, já que o passivo diminui, e o patrimônio não.
Mas em outro índice de endividamento bastante usado, em que se mede a razão entre a dívida líquida e o Ebitda, podem haver surpresas negativas. Isso porque a nova regra afeta todos os componentes dessa conta, a dívida bruta, a posição de caixa e o próprio Ebitda, o que torna difícil fazer o cálculo com antecedência.
De qualquer forma, a Cemig entende que, em caso de necessidade de renegociação de limites de endividamento, os credores vão entender as circunstâncias e não devem exigir prêmio para aceitar um indicador menos favorável.
No caso da EDP, também de energia, a regra é vista com reserva, com o entendimento de que ela não mostra como a companhia administra seu negócio. Executivos da empresa argumentam que, sob o novo tratamento contábil, um empreendimento controlado em conjunto vai se parecer com um investimento financeiro, do qual se espera receber dividendos. Mas nossa perspectiva é de controlar a empresa operacionalmente, suas vendas, contas a receber, o lucro operacional, diz Sérgio Martins, responsável pela área de controle da companhia portuguesa.
A empresa ainda pretende estudar os detalhes previstos na norma para saber se consegue enquadrar a unidade Porto do Pecém como uma operação conjunta, que permitiria a consolidação proporcional, e não como uma joint venture.
Mesmo que aplicada, a nova regra não afeta de forma imediata a receita da EDP, já que a termelétrica de Pecém ainda não está em operação. Porém, essa usina tem peso relevante no total de ativos da companhia (que deve diminuir no balanço novo) e será responsável por cerca de 20% da capacidade instalada quando começar a funcionar.
Daniel Lopes, sócio da área de IFRS da KPMG. diz que, pela estrutura que são formados os negócios no Brasil, será difícil escapar da equivalência patrimonial. Se existe uma entidade constituída separadamente no ambiente legal é muito difícil manter a consolidação proporcional, diz ele.
Para Alexsandro Broedel, diretor de controle do Itaú Unibanco e ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a nova regra, que acompanha o critério usado no padrão contábil americano, faz um retrato mais fidedigno da situação financeira das empresas. Na prática, numa joint venture, numa situação de aperto financeiro, os donos não tem acesso ao caixa [da empresa controlada em conjunto] e nem assumem, na holding, as dívidas.
Contudo, o executivo ressalva que a demonstrações de resultados podem ficar um tanto prejudicada, pois os analistas de mercado podem ter dificuldade de extrapolar as perspectivas para a empresa nessa nova metodologia.
Paul Sutcliffe, sócio da Ernst & Young, lembra, no entanto, que, apesar de não estarem mais na demonstração de resultados, informações mais detalhadas sobre as joint ventures terão de constar nas notas explicativas que acompanham o balanço.
Paulo Roberto Gonçalves Ferreira, gerente de normas contábeis da CVM, afirma ainda que haverá confusão entre as joint ventures tradicionais e as joint operations, e que os auditores vão ter de ficar de olho para que a regra seja cumprida apenas no primeiro caso.
A diferença entre as duas operações, explica, é que, na joint operation, cada uma das partes que compartilha o controle tem direito a ativos e obrigações específicos, definidos por contrato. Já na joint venture, os envolvidos têm direito apenas aos patrimônio líquido do negócio.
Margens sobem, endividamento cai
A mudança contábil sobre joint ventures deve alterar algumas importantes medidas usadas por investidores e analistas para avaliar o desempenho de empresas e para comparar companhias do mesmo setor.
Embora o retorno sobre patrimônio permaneça igual, já que nem o lucro líquido nem o patrimônio devem mudar com a nova regra, todos os indicadores de margem podem sofrer alterações significativas, prejudicando séries históricas de comparação.
Como a receita líquida é o denominar usado nessas contas, a medida deve elevar as margens.
Já os indicadores de endividamento que levem em conta o total de ativos ou a dívida em relação ao patrimônio vão cair.
Ainda não há um estudo que mostre o que ocorrerá nos balanços das empresas no Brasil com a adoção da nova regra. Mas o impacto deve variar bastante de empresa para empresa.
No setor elétrico, a Cemig tem muitas controladas em conjunto. A EDP tem impacto relevante nos números patrimoniais, mas não no resultado. A CPFL fica no meio termo, exemplifica Danilo Simões, sócio de IFRS da KPMG.
Olhando os dados de grandes incorporadoras imobiliárias, o especialista disse que elas têm uma quantidade grande de entidades que aparentemente devem deixar de ser consolidadas proporcionalmente.
Com a ressalva de que nem todas divulgam informações detalhadas sobre receitas, ativos e passivos de controladas em conjunto no balanço, Simões estima uma redução da ordem de pelo menos 10% no total de receitas e ativos dessas empresas.
Pelos dados da nota explicativa da Cyrela, por exemplo, o Valor identificou que 17% da receita de 2011 foi gerada por empresas controladas em conjunto que foram consolidadas de forma proporcional, embora nem todas apareçam formalmente estruturadas como joint venture.
Procurada pela reportagem, a Cyrela não se manifestou, assim como PDG e Gafisa.
A Petrobras decidiu se antecipar à obrigatoriedade da regra para 2013 e já divulgou o balanço de 2011 sem consolidar suas controladas em conjunto. O efeito demonstrado no resultado reapresentado de 2010 foi relevante em termos absolutos: a receita ficou R$ 1,4 bilhão menor, o lucro operacional recuou R$ 663 milhões e os ativos diminuíram em R$ 3,1 bilhões. Mas diante do gigantismo da companhia, a mudança, inferior a 2% nos três casos, acabou não chamando tanto a atenção.
A Vale também se antecipou e passou já neste ano a deixar de consolidar suas controladas em conjunto. No balanço de 2011, o efeito teria sido uma queda em torno de R$ 4,4 bilhões na receita e de R$ 2,7 bilhões no lucro operacional, o que representa uma redução em torno de 5%. (FT)
E o rabo vai balançar o cachorro
Quando a contabilidade começa a influenciar a forma como os negócios são costurados, e não apenas os evidencia nos balanços, os próprios contadores costumam dizer que algo está errado. No caso específico da mudança contábil das joint ventures, é bem provável que o rabo comece a balançar o cachorro.
Executivos da Cemig e da EDP disseram ao Valor que é provável que os empreendimentos no segmento de energia comecem a ser estruturados na forma de consórcios e não como sociedades de propósito específico, como hoje. A estrutura de SPEs usada atualmente está morta, sentencia Sérgio Martins, responsável pela área de controle da EDP no Brasil.
Segundo Paulo Sutcliffe, especialista em IFRS da Ernst & Young Terco, a regra diz que, se a investidora estiver exposta ao risco do patrimônio líquido de uma sociedade independente, é preciso usar o método de equivalência patrimonial. Já se ela tem direito aos ativos e passivos do empreendimento, como ocorre num consórcio, é possível manter a consolidação proporcional.
Nenhum dos sócios vai querer perder o direito de controle. Então a modalidade de consórcio deve ser incentivada, afirma o superintendente de controladoria da Cemig, Leonardo George de Magalhães.
Apesar de ser considerada mais difícil, não está descartada a possibilidade mencionada por Magalhães sobre a busca por controle de negócios atualmente estruturados como joint ventures, o que garantiria a consolidação de 100% da receita. Mas ninguém vai abrir mão sem receber nada, ressalta Daniel Lopes, sócio de IFRS da KPMG. (FT)
Fonte: Valor Econômico