Embalado pelo aumento da renda e do consumo, o uso de cartões de crédito e débito vem crescendo acima da média entre os mais jovens e os mais velhos. Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) mostra que os dois “extremos” da população consumidora é que estão fazendo maior uso dos cartões.
Em 2009, 65% dos jovens de 18 a 24 anos tinham pelo menos um cartão. No ano passado, esse porcentual passou para 71%. Entre os com mais de 60 anos, essa proporção passou de 52% para 68%. Nas demais faixas etárias, o avanço está mais tímido – passou de 74% para 76% entre os com idade entre 35 e 44 anos e permaneceu em 67% entre os com entre 45 e 59 anos.
O crescimento da renda vem colocando novos perfis de consumidores no mercado, o que ajuda a explicar porque as duas pontas de faixa etária concentram o aumento no volume de cartões. O avanço da chamada “bancarização” da população também vem influenciando esse movimento. Com conta corrente, o consumidor também passa a ter acesso a cartões de débito e crédito, que em geral são oferecidos pelas instituições financeiras. Além disso, mais estabelecimentos passaram a aceitar esse meio de pagamento.
Levantamento feito pelo instituto Paraná Pesquisas com 420 pessoas entre 2 de 6 de junho na capital mostra que 72% delas passaram a usar mais “os plásticos” nos últimos doze meses como substituição ao dinheiro de papel. Cerca de 22% disseram que adquiriram um novo cartão. Entre os mais jovens, esse porcentual é maior – quase um terço disse que passou a usar um novo cartão.
Comportamento
Para Murilo Hidalgo Lopes de Oliveira, diretor da Paraná Pesquisas, características comportamentais também ajudam a explicar esse movimento. “Temos aqui dois fenômenos. O jovem é deslumbrado com a possibilidade de acesso a crédito, por isso procura mais por esse tipo de serviço. E o idoso, muitas vezes, não sabe dizer não e é convencido mais facilmente a adquirir um cartão de loja ou de banco”, lembra. Em Curitiba, 46% da população entre 18 e 24 anos e 56% das pessoas com mais de 60 anos possuem pelo menos um cartão.
Mesmo com a economia praticamente estagnada, o setor de cartões – de débito, crédito e lojas (private label) – faturou R$ 178,5 bilhões no primeiro trimestre, alta de 23% na comparação com igual período do ano passado, segundo levantamento da Abecs. A previsão é de um crescimento de 20% para o ano, para R$ 804,5 bilhões. Na mesma base de comparação, o número de unidades em circulação cresceu 9%, para 704 milhões de cartões no país.
Demografia
Segundo Wagner Sarnelli, sócio diretor da consultoria Data Popular, especializada em consumo, jovens e idosos já representam uma fatia considerável da renda no país e é natural que isso implique também crescimento no uso dos cartões.
“O jovem está entrando no mercado de consumo já com acesso a crédito, mais escolarizado e um cenário de emprego mais favorável, o que facilita o acesso a cartões”, arfirma. Já quem tem mais de 60 anos foi jovem em uma época em que havia muito mais dificuldade para acesso a crédito, com hiperinflação e rápida perda de poder de compra. “Agora esse público quer aproveitar o tempo livre para comprar e viajar, por exemplo”, diz.
Gasto permitido supera a renda
A estudante Ana Carolina Weber Vasconcelos, de 23 anos, tem cinco cartões – dois de bandeira e três de lojas – que usa para comprar roupas, passagens e fazer supermercado, além de um cartão fidelidade de uma companhia aérea. Com renda de cerca de R$ 2,5 mil, ela, que trabalha como auxiliar operacional, gasta cerca de R$ 500 por mês com as faturas. Juntando todos os cartões, ela tem um limite de crédito de R$ 10 mil, quatro vezes o valor da sua renda.
“Uso para comprar passagens, roupas, mercado e pago contas que não posso pagar no mês e quero que fique para o mês seguinte, como faculdade”, diz ela, que admite já ter se enrolado com tanto crédito e estourado o limite dos cartões. Já teve que arcar com juros altos por pagar o valor mínimo do cartão na data do vencimento e já parcelou o valor da fatura, além de pedir a ajuda da mãe para pagar os débitos. “Há um ano entrei em uma bola de neve e tive que fazer um acordo para quitar a fatura”, lembra. Ultimamente tenta fazer todas as compras que pode à vista.
Sob controle
O aposentado Alexandre Magno Fmall Durão, de 61 anos, prefere o cartão de débito. Só usa o de crédito para parcelar as compras quando tem certeza de que não há juros. Ele tem seis cartões – três de débito, um de crédito de bandeira e outro de uma rede de supermercados. Chegou a pagar R$ 6 mil em uma fatura de cartão, mas, segundo ele, foi algo atípico – as contas geralmente variam de R$ 800 a R$ 2 mil. Ele diz que nunca estourou o limite e o maior parcelamento foi de uma compra de celular, em quatro vezes.
Descontrole
Um em cada três curitibanos já estourou o limite
Levantamento feito pela Paraná Pesquisas em Curitiba no início do mês mostra que 36% – mais de um terço – dos entrevistados já “estourou” pelo menos uma vez o limite do cartão de crédito ou do cheque especial. Os mais descontrolados são os consumidores com 35 a 44 anos: nessa faixa, 40,91% dos entrevistados gastaram mais que o crédito disponível na conta ou no cartão.
O cartão de débito lidera a preferência – 59% dos curitibanos o usam mais que o de crédito. Segundo a pesquisa, 37% dos consumidores usam o débito ao menos uma vez por semana. Entre os que optam pelo crédito, 33% fazem uso dele semanalmente.
Quase metade (49,48%) dos entrevistados usa o cartão de crédito para pagamento do valor da compra no dia do vencimento. Outros 24,91% parcelam o pagamento em até três vezes e 15,22% entre quatro e cinco vezes.
A maioria diz que, no dia do vencimento, paga o valor integral da fatura e evita desembolsar o valor mínimo ou próximo dele, que implica cobrança de juros altos. Porém 44,64% afirmaram que já atrasaram o pagamento da fatura. O calote é maior entre os que têm idade de 45 a 59 anos, com 49%, e menor entre os com mais de 60 anos (27,5%).
Atrasos
Inadimplência no cartão de crédito passa de 27%
Ao mesmo tempo em que cresce o número de usuários de cartões de crédito, vem aumentando a inadimplência nas operações. O calote acima de 90 dias ficou em 27,3% em abril, maior taxa da história para o mês, segundo dados do Banco Central. As contas em atraso no cartão somam hoje R$ 10,2 bilhões no país. Apesar de tradicionalmente registrar uma taxa de inadimplência mais alta que a de outras modalidades de crédito, o cartão vem sofrendo mais fortemente os efeitos do aumento do endividamento da população e o desaquecimento da economia.
“O cartão foi importante na última década porque permitiu acesso ao consumo para uma parte da população que não tinha como comprar sem usar o crédito. Mas não há dúvida que, por outro lado, que ele estimula muito mais as compras. A questão é que esse movimento tinha que ser acompanhado de educação financeira”, diz Wagner Sarnelli, sócio diretor da consultoria Data Popular.
Para Sarnelli, houve uma mudança radical na relação com os cartões nos últimos anos. “No passado era comum as pessoas ficarem esperando para aprovar a ficha de cadastro do cartão de loja e passar suas compras. Era uma situação constrangedora. Hoje o cartão chega em casa com limite aprovado”, lembra. Os bancos viram nos cartões um meio de fidelização de clientes, e o consumidor uma forma de compra facilitada, já que o limite em geral é pré-aprovado.
Fonte: Gazeta do Povo
Escrito por: Cristina Rios