Um dos principais símbolos da recente ascensão do Brasil no cenário econômico mundial pode estar ameaçado pela crise europeia. A avaliação é do economista brasileiro Marcos Troyjo, diretor do BRICLab, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, que escreveu o artigo a seguir, a pedido da BBC:
O Brasil é sem dúvida afetado pela crise do euro. É também uma vítima dos efeitos colaterais da aversão ao risco global. O impacto, no entanto, é limitado, graças à política macroeconômica conservadora dos governos tanto de Fernando Henrique Cardoso quanto de Luiz Inácio Lula da Silva, que colocou a situação financeira do Brasil em ordem. Privilegiou estabilidade sobre crescimento nos últimos 16 anos.
Se o epicentro da crise atual fosse a China, e não a Europa, os efeitos no Brasil estariam sendo mais intensos. A muito propagada noção de que o recente crescimento do Brasil foi impulsionado pela ascensão da China e seu apetite por commodities, setor em que o Brasil apresenta muitas vantagens comparativas, certamente jogaria contra o Brasil caso a economia da China desaquecesse mais drasticamente.
Nós devemos, porém, observar que, apesar de a China ter se tornado o maior parceiro comercial do Brasil - e o comércio exterior do Brasil é cada vez mais sino-dependente - também é verdade que as exportações para esse país representam apenas cerca de 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil. Na realidade, as exportações totais do Brasil respondem por apenas 10% do PIB brasileiro.
A crise global para o Brasil é, portanto, menos um problema relacionado a comércio e mais a investimento.
Brasilmania
Um dos efeitos colaterais sentidos no Brasil à medida que a crise global se aprofunda é a forte depreciação da moeda brasileira nas últimas semanas. E o enfraquecimento do real pode proferir um golpe doloroso à autoestima do país.
O Brasil chegou ao fim de 2011 como a sexta maior economia do mundo. Ultrapassou a Grã-Bretanha em termos de PIB medido em dólares. De acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), o PIB anual do Brasil em dezembro de 2011 era de US$ 2,5 trilhões.
Apesar de a fatia da economia mundial que cabe ao Brasil ter permanecido essencialmente inalterada nos últimos 10 anos (um pouco menos de 3%), uma Brasilmania, tanto doméstica quanto no exterior, fez com que muitos acreditassem que o PIB do Brasil estava destinado a um ascensão irresistível e sem escalas. Segundo essas projeções entusiasmadas, o Brasil superaria a França até 2015 e se tornaria a quinta maior economia do mundo.
Curiosamente, as altas taxas domésticas de juros no Brasil - corretamente consideradas um dos vilões que historicamente impediam que a economia florescesse completamente - na verdade ajudaram a abastecer a ilusão de um alto PIB medido em dólar, assim como a de um real sobrevalorizado.
Com a baixa taxa de retorno para capitais financeiros ao redor do planeta, especialmente depois da recessão de 2008, as sedutoras taxas de juros do Brasil atraíram ainda mais investimento de curto prazo, o que deu musculatura ao real e fez o PIB brasileiro em dólar avançar.
Com a crescente incerteza no cenário internacional, o capital financeiro busca destinos mais seguros. Companhias ao redor do globo se tornam menos propensas a estabelecer operações no Brasil para tirar vantagem de oportunidades relacionadas ao aproveitamento do conteúdo local.
Considere esse cenário pouco provável - e indesejável: se o Real se desvalorizar para o nível de R$ 2,20 contra o dólar e o Brasil crescer 3%, em dezembro de 2012, o PIB brasileiro atingirá R$ 4,24 trilhões, mas medido em dólares isso será apenas US$ 1,93 trilhão.
Da sexta para a nona economia
Caso isso aconteça, o Brasil será superado pela Grã-Bretanha, pela Itália e pela Rússia e voltará a ser a nona economia do mundo. Claro que essas economias também estão sendo afetadas pela crise e a posição delas no ranking pode cair. Mas esse cenário mostra como são superficiais as análises que levam o Brasil a se vangloriar por ser a sexta economia do mundo.
Seja lá o que aconteça com a taxa de câmbio ou com a zona do euro, o Brasil deve se preocupar mais com o descompasso entre seu grande potencial e sua baixa capacidade de competir globalmente. Nos últimos 25 anos a produtividade brasileira cresceu a apenas 0,2% ao ano, enquanto a da China aumentou 4%.
O Brasil deve aumentar sua taxa de poupança doméstica e investimentos, como porcentagem do PIB, e direcionar mais recursos para educação, ciência e tecnologia - as ferramentas indispensáveis para promover uma prosperidade sustentável.
Fonte: BBC Brasil / por R7