Acionistas exploram democracia societária
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A assembleia da incorporadora Gafisa na semana passada foi histórica para o mercado brasileiro e ilustrou a forte democracia societária existente no país. A avaliação é de Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec).

Cunha refere-se ao fato de acionistas da Gafisa, uma empresa sem controle definido, terem eleito quatro integrantes para o conselho de administração da empresa. Quem liderou a movimentação foram as gestoras Polo e Rio Bravo e o fundo de pensão Funcef. Se os brasileiros soubessem que tinham conquistado amplo apoio para sua causa também dos investidores estrangeiros, teriam conquistado até oito das nove vagas do conselho.

Aqui, as empresas que quiserem os benefícios da pulverização de capital precisam ser muito mais atentas à voz rouca dos acionistas. Sem exagero, esse é um marco importante no processo brasileiro, afirma Cunha.

Ele destaca que, nos Estados Unidos, os acionistas têm mais dificuldades de exercer o direito societário. Lá as empresas são ainda mais pulverizadas e existem casos em que levaram anos para conseguir representatividade.

A Gafisa vive um período de dificuldades financeiras e teve perda muito significativa de valor, o que incomodou fortemente os acionistas. A atual administração tem tomado atitudes para resolver os problemas, mas até agora sem muito êxito, na avaliação deles. Esse quadro, segundo o presidente da Amec, motivou os acionistas a estarem mais presentes na companhia - Cunha estava entre os indicados pelos acionistas ao conselho, mas não foi eleito.

A Gafisa tinha, no ano passado, tentado limitar o direito e voto a 5% - mas, por conta da pressão do mercado, voltou atrás na decisão. Dias antes da assembleia, a empresa não divulgou a solicitação de dois acionistas para a eleição do conselho via voto múltiplo. Em meio a questionamentos, a empresa reagiu contra acionistas que, segundo ela, queriam agir como donos da empresa. A Gafisa não deu entrevista.

Cunha lembra que o clima foi de enfrentamento dias antes da assembleia. Antes de divulgar os nomes que a Polo propôs para compor o conselho junto a um pedido público de procuração aos outros acionistas da companhia, a Gafisa divulgou extratos de recomendações de consultorias de voto favoráveis à sua chapa. Mas uma das consultorias, a Glass Lewis, retirou a sua recomendação para depois modificá-la - em vez de voto favorável à proposta, ela recomendou a abstenção. A Gafisa só divulgou a mudança após solicitação da CVM.

A Glass Lewis informa que foi a primeira vez que uma empresa brasileira usou um de seus relatórios para endossar seu desejo, mas diz que a tática é comum nos Estados Unidos e Reino Unido. Essas consultorias costumam balizar o voto de estrangeiros, que muitas vezes investem em muitas empresas pelo mundo e não têm condições de acompanhar os eventos em todas elas.

A maior consultoria de voto é a ISS, que, no caso da Gafisa, apenas fez um alerta a seus investidores de que a Polo havia feito observações relevantes sobre a empresa. ISS e Glass Lewis acompanham companhias brasileiras a partir de analistas instalados na América Latina. A Lewis cobre 185 empresas brasileiras; e a ISS, 260.

Como a maior consultoria, a ISS, manteve o voto a favor da administração, os brasileiros acharam que os estrangeiros iriam seguir o conselho, o que não se confirmou.

O elevado índice de abstenção do estrangeiro na assembleia da Gafisa foi um recado de que a companhia não poderia mais ser administrada por essas pessoas e dessa maneira, afirma Cunha. Para ele, as empresas de capital pulverizado têm os benefícios de ter uma flexibilidade financeira que não seria possível com um controlador. Por outro lado, isso só é sustentável se a companhia se comunicar adequadamente com o mercado.

Nos Estados Unidos, complementa Cunha, além das companhias serem muito mais pulverizadas, existe uma jurisprudência totalmente favorável à gestão em diversas questões, o que ele acredita precisa ser evitado no Brasil. O conselho tem dever fiduciário, mas tem que saber que em última instância quem manda na empresa é o acionista, diz.

Ele destaca que a legislação brasileira tem a seu favor o fato de ser muito transparente. E que, em algum caso de dúvida nos procedimentos, cabe à empresa sempre optar pela transparência.

Segundo Cunha, a percepção é que existem muitos investidores estrangeiros que são bastante atuantes e por vezes não conseguem se envolver em razão até de dificuldades burocráticas. Essa é uma preocupação também da Amec, de tornar mais fácil os procedimento de voto dos acionistas internacionais.

Não foi apenas em Gafisa que os estrangeiros mostraram que podem ser protagonistas. No episódio da Redecard, primeiro eles exerceram forte pressão para que o Itaú Unibanco desistisse de retirar a companhia do Novo Mercado independentemente do resultado da oferta para o fechamento de capital da empresa de cartões. Foi a Lazard quem solicitou um novo laudo de avaliação da companhia (ver texto abaixo).

Acho que os estrangeiros se envolvem mais e mais quando as situações das assembleias são pouco claras, como ocorreu em Gafisa, afirma Hernan Lopez, diretor regional da Sodali, que assessora empresas em aspectos de governança corporativa.

Ou como resume Carlos Lobo, sócio da área de mercado de capitais da Veirano Advogados, de fato, acabou o tempo em que as assembleias eram protocolares. Como se vê, cada vez mais aumenta a percepção de que tanto acionistas quanto empresas adotam estratégias para esses eventos, em particular em companhias sem controlador, diz.

A pessoa física, observa Cunha, da Amec, para não ficar de fora do processo deve estar atenta quando escolhe um fundo para realizar seus investimentos. É preciso conhecer não apenas a política de voto, mas também se a gestora tem um processo diferenciado e independente e um comprometimento com as companhias em que investe, diz.

Os pedidos públicos de procuração que surgiram para as assembleias muitas vezes servem mais para jogar luz a determinadas questões do que ao desejo ou expectativa de recolher, de fato, muitos documentos.

No caso da Gafisa, a principal razão para o pedido público de procuração foi a possibilidade de tonar os nomes dos indicados conhecidos pelo mercado. Do contrário, eles só seriam apresentados durante a assembleia, explica Cunha. A regulação não obriga a empresa a divulgar os nomes. Nessa temporada, também a Lojas Renner, umas das primeiras companhias no Brasil a ter o capital pulverizado, solicitou ela mesma uma procuração para os seus acionistas para conseguir realizar a assembleia. A empresa constantemente tem dificuldades para obter quórum nas reuniões.

A procuração também apareceu na Valid. A gestora Vinci Partners fez a solicitação pública para conseguir apoio para fazer mudanças no estatuto da companhia, entre elas mudar o percentual de ações que, se adquirido por um acionista, torna necessária uma oferta pelas ações de toda a empresa.

Em primeira convocação, o quórum necessário para avaliar a proposta não foi atingido por muito pouco - eram necessários 66,67% e a empresa obteve 65,9%. Em segunda colocação, o quórum foi menor, de 56,5%, e a avaliação de empresas e acionistas foi a que a representação acionária não era tão expressiva para avaliar uma modificação tão relevante.

 

 
Fonte: Valor Econômico / por Fenacon
Escrito por: Ana Paula Ragazzi

Data: 17/05/2012 às 08h53
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