A Assembleia Legislativa do Estado do Paraná aprovou o projeto de lei 940, de 2011, e publicou, em 9 de fevereiro de 2012, ainda que com alguns vetos, a Lei Estadual 17.082, que entrará em vigência no próximo dia 9 de maio. Referida Lei regulamenta o novo acordo direto de precatórios do Estado do Paraná, realizado através de conciliação entre o Estado e os titulares originais e cessionários dos referidos créditos. Além disso, a Lei estabelece políticas fazendárias, dando regramento sobre o parcelamento de débitos perante a Fazenda Estadual, decorrentes de ICMS, IPVA e ITCMD, e a hipótese de negociação destes débitos com os créditos de precatórios.
A Lei 17.082, não traz novidade permitindo a compensação de débitos tributários, mas apresenta nova regulamentação e nova política fiscal para a quitação dos débitos estaduais, mediante algumas exigências. A primeira delas é o recolhimento em dia das GIA’s (Guias de Informação e Apuração), no caso dos débitos de ICMS, posteriores a 1 de novembro de 2011.
Além disso, é necessária a adesão ao parcelamento previsto no artigo 19 da Lei, o qual permite o ingresso de débitos, cujos fatos geradores tenham ocorrido até 30 de setembro de 2009, a serem parcelados na seguinte proporção: 25% do débito, em 59 parcelas e os 75% restantes, alocados em uma última parcela, a ser paga com os créditos dos precatórios inscritos tempestivamente.
Quem não tiver crédito a compensar, mas ainda quiser parcelar seu débito, poderá fazê-lo também. Nesse casso, a regra só vale para débitos de fatos geradores ocorridos até 30 de setembro de 2011, que poderão ser pagos em até 120 (cento e vinte) parcelas. Ambos os parcelamentos trazem alguns benefícios aos contribuintes: (i) redução de 95% de multas e 80% de juros de mora para pagamento à vista; (ii) redução de 80% das multas e 60% por cento de juros de mora no pagamento em até 60 (sessenta) parcelas; (iii) ou redução de 65% das multas e 50% dos juros de mora para pagamento em até 120 parcelas.
Habilitado para esta primeira rodada de negociações, o contribuinte terá a possibilidade de ver o seu débito quitado através dos créditos de precatórios que possui. Obviamente, nada pode ser perfeito. A Lei fixa deságio mínimo de 20% para a utilização destes precatórios. E, além disso, faculta ao Chefe do Poder Executivo ordenar o pagamento dos precatórios, dentre outros, de acordo com a melhor oferta de maior deságio, conforme dispõe o artigo 8º, II. Ou seja, quer der mais – ou melhor, quem estiver disposto a receber menos – leva primeiro. Daí o apelido “carinhosamente” dado à sistemática da Lei n.º 17.082: “Leilão do Deságio”.
De qualquer modo, caso o credor titular dos precatórios acredite nas benesses da Lei e resolva se inscrever, seja para negociar o seu crédito, seja para solicitar a compensação com um débito seu, precisa fazê-lo em até 60 dias a partir da entrada em vigor da Lei, que se dará, repita-se, em 09 de maio. A partir da solicitação da compensação, os requerimentos deverão ser protocolados junto à Câmara de Conciliação de Precatórios em 90 (noventa) dias, contados do encerramento do primeiro prazo. Ainda, quem já participa de outros acordos de parcelamento poderá pedir a sua rescisão, renunciando dos seus benefícios para participar deste novo parcelamento.
Quem recebe a boa notícia, de verdade, são os pequenos devedores de ICMS, cujo débito não tenha ultrapassado os R$ 10.000 até 31 de dezembro de 2010, pois terão suas dívidas canceladas, de acordo com o artigo 30.
Feito o breve resumo do teor da Lei, necessária uma reflexão sobre seus efeitos práticos. Isto porque, mesmo antes de sua entrada em vigor, a Lei 17.082 cria diversos questionamentos a seu respeito. É cediço que a utilização de precatórios para o pagamento de débitos tributários Estaduais é medida que agrada a muitos contribuintes e também necessária, visto que reduz o problema financeiro daqueles que se veem obrigados a desembolsar quantias muitas vezes impraticáveis e, cujos débitos nunca seriam efetivamente quitados.
Todavia, este não é um caminho fácil a se seguir, e se há vantagens, também há uma parcela de perdas aos envolvidos, que devem abrir mão de alguns direitos para que haja uma composição o mais justa possível. Diante desse cenário, muitos veem campo fértil para calorosos debates, questionamento de brechas na Lei e algumas irregularidades. E nesse sentido, muito tem se discutido acerca de questões como: a possibilidade de favorecimento ao inadimplente; a violação à ordem de preferência prevista no artigo 100, da Constituição Federal; o impedimento do acesso ao judiciário, e; o incentivo à quitação dos precatórios com deságio. Esses fatores podem acarretar a inconstitucionalidade da Lei em comento. Argumentos prós e contras podem ser elencados.
A constitucionalidade da Lei pode ser defendida, já que tal procedimento é previsto pelo artigo 97, do ADCT, em seu §8º, III. O dispositivo estabelece a possibilidade de os estados aplicarem os 50% dos recursos que não são utilizados obrigatoriamente para o pagamento dos precatórios na forma do §6º, à sua escolha, para o pagamento de demais precatórios por meio de leilão, ou por meio de acordo direto com credores, opção feita pelo legislador paranaense no diploma em estudo (o parágrafo 6º do art. 97 determina que pelo menos a metade dos recursos arrecadados nos termos do artigo seja revertida em pagamento de precatórios na ordem cronológica de apresentação, respeitada a ordem de preferência do artigo 100, parágrafos 1º e 2º da Constituição).
Da leitura da Lei 17.082, nota-se que a intenção do Estado do Paraná é se valer desse permissivo constitucional, para utilizar os recursos que vem depositando em razão do regime de pagamento especial pelo qual optou nos termos do art. 97, parágrafo 1º, II, do ADCT, reduzindo o tamanho de sua dívida com os seus credores.
Contudo, o que se tem questionado é o modo como a Lei vem dispondo sobre tal permissivo, e talvez seja nesse ponto que incida a sua inconstitucionalidade. O primeiro ponto que se discute é o de que a Lei possibilita o favorecimento ao inadimplente, prejudicando aqueles contribuintes que pagam os seus tributos em dia. A mera possibilidade de que as hipóteses de parcelamento e remissão previstos na Lei instituam benefícios aos maus pagadores de tributos, que não possuem os contribuintes que pagam seus tributos em dia, pode ser considerada uma forma de tratamento desigual. De fato, sob tal prisma, parece factível que a Lei 17.082 ofende ao princípio constitucional da igualdade, previsto no art. 5º, caput, da CFB/88.
Além disso, é fragrante o incentivo da legislação à quitação dos precatórios com o maior deságio possível o que pode causar algum prejuízo aos credores desses títulos. A Lei prevê como requisito para inscrição dos precatórios, de início um deságio mínimo de 20% (vinte por cento). E, ainda, para aqueles que oferecerem maior “desconto” possam receber preferencialmente seus créditos.
É crível que a demora no pagamento de tais créditos pelo Estado, o maior inadimplente de todos, gera impaciência e desespero aos credores, pela sensação que nunca receberão seus créditos. Com isso, o poder de barganha do Estado gera desequilíbrio, desigualdade na relação entre as partes, o que pode convencer muitos credores a se inscrever, na tentativa de adiantar seus pagamentos, ainda que percam parcela relativa dos seus créditos, desde que tenham em mãos o seu dinheiro, e não mais apenas um título sem um prazo real para pagamento.
O adiantamento desses pagamentos aos credores inscritos também pode gerar, por consequência, uma violação à ordem de preferência para o pagamento dos precatórios, tal como prevista no art. 100, da Constituição Federal. É notória a inconstitucionalidade aqui considerada, visto que a possibilidade da violação à ordem de preferência fere disposição prevista na própria Constituição Federal.
Por fim, há dispositivos na Lei em comento que condicionam a celebração do acordo previsto à renúncia a qualquer discussão ou tipo de defesa do contribuinte, importando em confissão irrevogável e irretratável dos débitos inscritos. Ocorre que tal conduta caracteriza nítido impedimento de acesso à justiça, direito assegurado pelo artigo 5º, inciso XXXV, da CFB/88, que estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.
Desta feita, qualquer barreira que vise limitar o direito constitucionalmente garantido a todos os cidadãos de pleitearem seu direito ou se defenderem de eventual ameaça a este, ainda que por meio da lei, passa a ser um também um elemento de irregularidade do procedimento, ilegitimando o dispositivo.
Em razão desses fatores, várias são as reflexões sobre a possível inconstitucionalidade da Lei 17.082 e ainda outras podem surgir. A começar pelo próprio Governo do Paraná, que ajuizou em 25 de Abril, no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o diploma legal, sob o argumento de que a Lei faz concessão de parcelamento, mantendo benefícios já concedidos na Lei n.º 15.290/2006, sem, no entanto, convênio que autorize a prorrogação de tais efeitos. A ação se encontra sob-relatoria do Min. Cezar Peluso.
Segundo a fundamentação da ADI, o novo parcelamento criou modalidade de suspensão de exigibilidade de crédito tributário, qual seja, a apresentação do requerimento para a conciliação. Tal fato seria inconstitucional, posto que avançaria a competência da União, que já regulou a matéria no Código Tributário Nacional.
De todas essas possíveis inconformidades com a Constituição, resta observar quais elementos serão sopesados pelos contribuintes, sejam eles devedores, credores do Estado do Paraná, ou ambos, e o que valerá mais a pena a cada um: beneficiar-se dos dispositivos da nova Lei, ou questioná-los, protestando em função de eventuais inconstitucionalidades apontadas.
Todo modo, será um caminho difícil a ser seguido, acompanhado de acalorados debates e muitas adaptações, abrindo um leque de possibilidades, que pode ir da redução em grande escala da fila dos precatórios estaduais e do êxito nos acordos e parcelamentos de débitos tributários, à enxurrada de ações judiciais e bombardeios à Lei recém-chegada e, quem sabe, já de início fadada ao insucesso.
Fonte: Consultor Jurídico