O excesso de burocracia e uma legislação tributária complicada são os maiores desafios para os estrangeiros que querem abrir um negócio no Brasil. Mas eles vêm mesmo assim, atraídos pela conjuntura econômica favorável. Abrir um negócio no Brasil é um exercício de paciência. Fazer o registro na junta comercial, tirar o CNPJ, registrar os funcionários no INSS, conseguir licenças de operação. Dependendo do setor, o processo pode passar por mais de uma dezena de etapas, se estendendo durante meses.
No Ease of Doing Businnes Index de 2012, elaborado pelo Banco Mundial, o Brasil está na 126ª posição do ranking de 183 Estados. Quanto melhor a posição, menos complicado é fazer negócios no país. Entre as dez subcategorias analisadas, na Starting a business (Abrindo um negócio), o Brasil ocupa o posto 120. Os Estados Unidos, por exemplo, aparecem na 4ª posição geral e 13ª quanto à facilidade de começar um negócio. A Alemanha, na 19ª e 98ª, respectivamente.
Entretanto, a estabilidade e o crescimento econômicos brasileiros fazem com que investidores estrangeiros encarem os entraves e o desafio de instalar-se no Brasil. Somente nos últimos dois anos, mais de 200 empresas alemãs chegaram ao país, segundo a Câmara de Comércio Brasil-Alemanha (AHK), em São Paulo.
De acordo com o Banco Mundial, há 13 etapas iniciais para abrir uma empresa no Brasil. São basicamente registros legais, que consomem em média 119 dias. Na América Latina e no Caribe, a média é de 54 dias; nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 12. Já na Alemanha, por exemplo, os nove passos necessários levam apenas 15 dias.
A especialista em direito empresarial Viviane Prado, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), questiona o índice do Banco Mundial. Será que a variável considerada em um país é a mesma a ser considerada em outro? Contudo, ela reconhece que o excesso burocrático com um documento dependendo da aprovação do outro e a ineficiência do aparato estatal pode confundir um estrangeiro. É preciso conhecer os caminhos, ter contatos, contratar um despachante que é o facilitador da burocracia. Ou seja, trata-se de saber lidar com o sistema e arcar com os custos disso. É o famoso ditado: criam-se dificuldades para vender as facilidades, considera.
Por isso, tanto o vice-presidente executivo da AHK, Thomas Timm, quanto a advogada Anna Lygia Rego, da Trench, Rossi e Watanabe Advogados, em São Paulo, afirmam que tudo depende da assessoria que o investidor estrangeiro recebe ao chegar ao Brasil. Recomendamos às empresas que nos contatam que procurem um aconselhamento profissional, diz Timm.
O escritório em que Anna atua assessora principalmente clientes dos EUA e da Europa, e, nos últimos tempos, vem crescendo também a presença dos chineses. A advogada também questiona o índice do Banco Mundial, reiterando que, se o estrangeiro tiver uma boa assistência, conseguirá abrir um negócio no Brasil com certa facilidade.
Além disso, a burocracia também depende do setor de atuação da empresa que pode exigir mais ou menos documentações, como uma autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo e do local de instalação, por conta das diferenças de legislação entre estados e municípios.
O estabelecimento de empresas de serviços que necessitam de apenas know-how e capital humano é muito mais simples do que o daquelas que envolvem produção e exportação, por exemplo. Segundo Anna, o tempo médio para uma companhia começar a funcionar é de seis meses.
Apesar de considerar que a burocracia possa ser o principal fator para afastar investidores estrangeiros do Brasil, Anna destaca que outra grande barreira é o sistema tributário do país. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) encarece muito as transações internacionais. A legislação sobre impostos estaduais, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), é um emaranhado de normas. A tributação referente à mão de obra também é muito alta, aponta.
Para Timm, a carga tributária brasileira é semelhante à alemã, mas complexa de ser compreendida. O sistema de tributos brasileiro é extremamente oneroso e complexo, com impostos encadeados e variações entre estados, o que complica a vida de um empresário por aqui.
A última edição do Monitor da Percepção Internacional do Brasil (MPI-BR), elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de março de 2012, mostrou que 79% dos agentes consultados perceberam uma influência positiva do atual ambiente político doméstico sobre a decisão de empresas estrangeiras de investir no Brasil. Embaixadas, câmaras de comércio, empresas com controle estrangeiro e organizações internacionais com representação no Brasil respondem à consulta. O Brasil é hoje um país estável, com condições econômicas, jurídicas e políticas previsíveis. O mercado brasileiro apresenta crescimento e demanda, com uma maior parte da população com acesso a bens de consumo, afirma Timm.
Segundo o representante da AHK, o número de delegações alemãs a visitar o Brasil em busca de negócios tem aumentado nos últimos anos. Em 2011, foram recebidos 80 grupos. Há 1.400 empresas alemãs sediadas no Brasil. Elas respondem por cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e empregam 250 mil trabalhadores, afirma a AHK.
Na tese de doutorado Aspectos jurídicos da confiança do investidor estrangeiro no Brasil, defendida na USP em 2010, Anna verificou que, dos investidores estrangeiros consultados, 75% confiavam no Brasil. Entre os brasileiros, a taxa cai para 45%.
Para Anna, a política econômica brasileira estável e a forma como o Brasil atravessou a crise mundial sem se abalar contribuiram para o ingresso de estrangeiros. Além disso, têm aumentado as demonstrações internacionais de que o Brasil é um país cumpridor de contratos, preocupado com a qualidade da regulação, com uma postura responsável nas instituições internacionais, controle da inflação e maturidade política. Tudo isso contribui para o Brasil se tornar um país mais confiável.
Em anos recentes os setores que mais atraíram os alemães foram logística, fabricação de máquinas e tecnologia. É o caso da empresa Fuhrländer, por exemplo, que iniciou em abril a instalação de uma fábrica de aerogeradores para produção de energia eólica no Ceará com investimento inicial de R$ 15 milhões.
Fonte: Terra / por O Documento