Levando os direitos de sócio a sério
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A importância do direito de controlar a tomada de decisões societárias é enorme. Paga-se ágio para se adquirir o controle societário. O controle vale dinheiro e não pode ser desapropriado, sob pena de violação ao direito fundamental de propriedade e ao ato jurídico perfeito.

A proteção ao direito de propriedade e ao ato jurídico perfeito assegura a inviolabilidade dos direitos dos sócios contra ingerências legislativas. Qualquer alteração na disciplina jurídica societária deve ser realizada preservando-se os direitos dos sócios das sociedades já constituídas. Há dez anos, quando se alterou o percentual de ações preferenciais que uma companhia pode emitir, fez-se a ressalva de que o novo percentual não era aplicável às companhias já constituídas. Essa ressalva foi devida à necessidade de proteção aos direitos de propriedade. Tudo isso parece óbvio, mas foi solenemente desrespeitado no que toca aos direitos dos sócios quotistas de sociedades limitadas.

Nas sociedades constituídas na vigência do Decreto nº 3.708, de 1919, o detentor de mais da metade do capital da sociedade teria o poder de controle. O Código Civil alterou essa disciplina, prevendo uma babel de quóruns deliberativos. A nova disciplina é por si só criticável, pois ninguém sabe ao certo qual é a participação no capital necessária para assegurar-se o controle da sociedade. Na dúvida, arriscamos a resposta de que o quórum necessário ao controle é de 75% do capital.

A disciplina codificada também é criticável por conta de o artigo 2.031 ter imposto às sociedades limitadas já constituídas o dever de se adaptar às disposições deste Código. O artigo é claramente inconstitucional por ter desrespeitado o ato jurídico perfeito e os direitos de propriedade dos sócios controladores. É que, antes do Código Civil, quem fosse constituir sociedade limitada e pretendesse assegurar o controle societário cuidaria de adquirir mais da metade do capital social. Com a promulgação do Código Civil, a prever quóruns deliberativos de até 75% do capital, o sócio que antes detivesse mais de 50% do capital deixaria de ter o poder de controlar deliberações como a nomeação de administradores, sua remuneração e a modificação do contrato. Portanto, a aplicação das normas do Código Civil às sociedades limitadas constituídas na vigência do Decreto nº 3.708/19 acarreta grave violação a direitos de propriedade. Por isso, os sócios prejudicados podem promover ações para anular as deliberações tomadas em desrespeito a seus direitos de propriedade e ao ato jurídico perfeito.

As deliberações nas sociedades limitadas deveriam ser tomadas por um único quórum

Ademais, em razão da proteção constitucional ao ato jurídico perfeito, as regras societárias de deliberação aplicáveis às limitadas são aquelas vigentes ao tempo da constituição da sociedade. Bem claramente, as deliberações das sociedades constituídas na vigência do Decreto 3.708/19 são regidas por este diploma, não pelo Código Civil. Somente as sociedades limitadas constituídas após a entrada em vigor do Código Civil sujeitam-se à babel de quóruns deliberativos nele prevista.

No entanto, essas sociedades também sofrem com o desrespeito legislativo aos direitos de propriedade, e muitas de suas deliberações estão sujeitas a anulação judicial. A razão dessa indesejável instabilidade é a regra prevista no artigo 70 da Lei Complementar (LC) nº 123, de 2006, a prever que as decisões das sociedades limitadas caracterizadas como microempresas (ME) ou empresas de pequeno porte (EPP) serão tomadas por maioria absoluta do capital, isto é, metade mais um. A boa intenção legislativa de simplificar quóruns gera insegurança jurídica e desrespeito a direitos de propriedade.

Imagine-se uma sociedade limitada constituída na vigência do Código Civil, na qual um sócio desejasse ter algum poder de veto sobre determinadas deliberações. Para tanto, esse sócio cuida de adquirir 40% do capital. Com isso, não há possibilidade de os demais sócios decidirem a nomeação de administradores e a modificação do contrato sem a participação de sua vontade. No entanto, se a sociedade vier a ser caracterizada como ME ou EPP, as suas deliberações serão tomadas por maioria absoluta. O sócio que detém 40% do capital perderá o poder de veto enquanto o quórum deliberativo não voltar a ser o previsto no Código Civil. Nesse caso, a legislação evidentemente desrespeitou direitos de propriedade constitucionalmente assegurados, e o sócio prejudicado pode buscar a anulação das deliberações tomadas em prejuízo de seu direito.

No dia a dia societário, o quórum deliberativo previsto na Lei Complementar 123/06 é praticamente ignorado. É verdade que seria desejável que as deliberações nas sociedades limitadas fossem tomadas por um único quórum. Esse quórum deve ser estável, pois não é desejável um quórum móvel, que desloque o poder de controle conforme a sociedade aumente seu faturamento.

É necessário muito cuidado para alterar-se quóruns deliberativos. Deve-se proteger direitos já estabelecidos, mediante a adoção de regras de direito intertemporal societário. Afinal, os direitos políticos dos sócios nas organizações societárias devem ser levados a sério.

Cássio Cavalli é professor de direito da empresa da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


 

Fonte: Valor Econômico


Data: 29/03/2012 às 08h30
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