A disputa entre Estados e Prefeituras para arrecadar impostos, a complexa estrutura tributária do Brasil e a falta de precisão ao interpretar a lei têm levado empresas de vários setores do país a serem duplamente tributadas pela atividade que realizam.
Fabricantes de embalagens, de produtos agroindustriais, provedores de acesso à internet e empresas de outdoors são alguns exemplos dos que brigam com os fiscos administrativamente e na Justiça para impedir a dupla cobrança de impostos.
Vivemos num manicômio tributário. A empresa não sabe a quem deve pagar, quanto deve pagar e para quem deve pagar, diz o consultor tributário Clóvis Panzarini, ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda paulista.
O maior embate está na cobrança de ICMS (imposto pago aos Estados quando há circulação da mercadoria na cadeia produtiva) e de ISS (cobrado pelas prefeituras na prestação de serviços). Quando há a cobrança de um, não pode haver do outro.
A confusão entre quem tem competência para cobrar se acentuou a partir da Constituição de 1988, quando a lei ampliou a cobrança de ICMS para serviços de comunicação e de transportes.
Mesmo com a lei complementar 116, de 2003, que listou os serviços sujeitos ao ISS, o impasse persistiu.
Recentemente, uma empresa de tingimento de jeans foi autuada pelo fisco municipal de São Paulo em R$ 40 milhões por não recolher ISS para a prefeitura, embora pagasse ICMS ao Estado desde que abriu suas portas.
A empresa recorre da multa e se defende: mostra que o tecido que tinge é uma etapa de uma industrialização (sujeita ao ICMS), e não um serviço prestado, como uma tinturaria (sujeita ao ISS).
A necessidade de procurar cada vez mais receita cria profundas distorções e penaliza o contribuinte, diz o tributarista Ives Gandra. No Brasil, uma norma tributária é criada a cada 49 dias.
Na Justiça
Para discutir a dupla cobrança de impostos, as empresas têm desembolsado quantias consideráveis durante anos, até que tribunais superiores criem jurisprudência para resolver o impasse.
Até isso ocorrer, temos uma enorme insegurança jurídica, que desestimula investimentos e afeta a competitividade. Essa instabilidade não é mais admissível na quase quinta economia do mundo, diz o advogado Luiz Fernando Mussolini Junior.
No caso de provedores de acesso à internet e de fabricante de embalagens, foram 12 anos para conseguir resolver (em parte) a questão da cobrança de ICMS e ISS.
Muitas empresas têm optado por discutir autuações e cobranças indevidas diretamente na Justiça porque reclamam que nas esferas administrativas os favorecidos são Estados e municípios.
Quando a empresa ganha a causa na Justiça, enfrenta outra questão. Se for um tributo estadual, pode sentar e chorar. Porque terá de entrar na fila do pagamento de precatórios. Se receber em 15 anos, terá sorte, diz a advogada Bianca Xavier.
Para o advogado Luiz Roberto Peroba, a combinação de várias contribuições federais em apenas uma e a fusão de impostos são medidas fundamentais para evitar conflitos de competências entre os entes da Federação.
Contribuinte tem como recorrer, afirmam governos
Conflito de competência na cobrança é minoria nas contestações no Tribunal de Impostos e Taxas de SP
Para subsecretário, lei que lista serviços que devem ser tributados pelo ISS precisa de modernização
Estado e prefeituras informam que o contribuinte tem chances de se defender nas esferas administrativas e, se discordarem da decisão, podem recorrer à Justiça.
Para o presidente do TIT (Tribunal de Impostos e Taxas) de São Paulo, José Paulo Neves, a quantidade de autos de infração contestando quem tem competência para cobrar imposto do contribuinte é pequena no Estado e está concentrada em poucos segmentos.
Dos 6.500 autos de infração em discussão nas duas esferas administrativas, a quantidade referente ao conflito de competência para cobrar é mínima. A questão é que, como o ICMS tributa alguns tipos de serviço, pode haver dúvidas de interpretação, afirma.
Sobre a reclamação do setor empresarial de que nas esferas administrativas o contribuinte tem menos chance de ser favorecido nas decisões, ele admite que 90% dos autos de infração são mantidos na primeira instância.
Mas na segunda instância esse percentual é menor. Embora a maioria ainda favoreça o Estado, as câmaras de julgamento são paritárias, com o mesmo número de juízes representando o fisco e as entidades empresariais.
O subsecretário da Receita Municipal da Prefeitura de São Paulo, Ronilson Bezerra Rodrigues, diz que a lei complementar 116, de 2003, que lista os serviços que devem ser tributados pelo ISS, precisa ser modernizada, o que já está em discussão entre os municípios.
A lei lista 40 itens e 183 subitens. Alguns novos serviços surgiram, diz o subsecretário.
Rodrigues afirma também que os Estados têm mais estrutura que os municípios na área tributária para fazer a cobrança de impostos, por isso podem avançar sobre setores que não são tributados pelos municípios.
Quando há um serviço que não é cobrado pelo município, o Estado vem e cobra. O que é uma aberração tributária, afirma.
Fonte: Folha.com