A lei que busca diminuir a informalidade no Brasil, que hoje chega a 10 milhões de pessoas segundo dados do Sebrae, determina que a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) seja constituída por uma única pessoa titular com a totalidade do capital social, devidamente integralizado (
dinheiro comprovado) não podendo ser inferior a 100 salários-mínimos vigente no País, o equivalente hoje a R$ 62,2 mil. Porém, a indexação do capital ao salário-mínimo é dos pontos que têm gerado polêmica entre especialistas.
Por considerar esse dispositivo uma medida inconstitucional, o Partido Popular Socialista (PPS) propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF). O partido argumenta que a exigência do capital social vinculado ao salário-mínimo se opõe ao princípio da livre iniciativa e prejudica micro e pequenas empresas, violando a Constituição Federal. De acordo com a ADI, o partido pede a concessão de liminar para suspender a indexação ao piso, visando a uma maior abrangência de empresas nessa modalidade jurídica.Outro ponto de discordância, de acordo com o advogado da Zulmar Neves Advocacia (ZNA) Sillas Battastini Neves, é o fato de a lei não deixar claro quem tem a competência para abrir uma Eireli, se pessoa física ou jurídica. Diante dessa lacuna, o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), órgão responsável pela normatização dos registros, através da Instrução Normativa DNRC 117/2011, lançou uma regulamentação em que diz que somente a pessoa física poderia ser titular nesta modalidade.Para Neves, a Eireli representava uma ótima ferramenta para a pessoa jurídica, pois, por uma questão de planejamento tributário, a empresa poderia segmentar as suas atividades em diferentes negócios. “Víamos nisso um facilitador, principalmente para organizações estrangeiras”, declara. Segundo ele, isso justifica o baixo número de adesão de empresas.
De acordo com dados da Junta Comercial do Rio Grande do Sul (Jucergs), foram registrados, até o momento, 48 novas empresas e seis migrações de firma individual. De acordo com o presidente da Jucergs, João Alberto Vieira, os números podem ser considerados baixos, mas os motivos, segundo ele, são plausíveis, tendo em vista que a lei é muito recente e traz poucas informações. “Eu sou fã da Eireli e estamos atrasados com relação ao Mercosul e toda a Europa”, defende.
A lei é nova no Brasil, mas essa modalidade existe há mais de 20 anos em outros países, como França, Espanha, Portugal, Itália, Alemanha, Reino Unido, Dinamarca e Chile. Conforme Vieira, existem muitos aspectos positivos da Lei nº 12.441/2011, principalmente no que se refere à proteção dos bens familiares. Vieira, no entanto, lembra que o empresário que optar por constituir a Eireli somente poderá constar em uma única empresa.
Marco Túlio De Rose, sócio do escritório De Rose, Veiga, Martins e Marques Advogados Associados, também tem críticas à lei, mas acredita que o STF irá fazer uma reavaliação precisa sobre o tema. Ele considera o valor do capital muito alto para a realidade do mercado, prejudicando o próprio objetivo e a natureza da criação da nova formação empresarial. “Espero que o Supremo, no momento que analisar a lei, dê a interpretação conforme a Constituição, a fim de fazer valer o que está creditado no documento”, comenta.
Nova modalidade era esperada pelos empreendedores
Desde a década de 1980, o Brasil discute a figura da Empresa de Responsabilidade Limitada (Eireli). A sua instituição foi considerada uma vitória para grande número de especialistas. Para o vice-presidente de Fiscalização do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRC-RS), Celso Luft, cabe aos profissionais da contabilidade prestar o devido assessoramento aos empresários, esclarecer as dúvidas e buscar a melhor opção para o cliente.
A nova modalidade jurídica era uma necessidade do mercado. Uma grande parte das sociedades por quotas de responsabilidade limitada foi constituída apenas para que se pudesse restringir a responsabilidade do empresário ao valor do capital da empresa. As sociedades se formavam com o percentual mínimo da quota de participação do sócio, normalmente, o marido, a mulher, mãe ou o filho.
CRC-RS aposta no aumento do número de adesões
O presidente do Conselho Regional de Contabilidade (CRC-RS), Zulmir Breda, está confiante de que esse momento de turbulência inicial com relação à nova modalidade jurídica deverá passar tão logo o Supremo Tribunal Federal reeditar uma medida de ajuste. Além disso, Breda acredita que há necessidade de mais informações no mercado e seria bem-vinda uma campanha institucional apresentando os benefícios da legislação. “O futuro é expandir e, se houver esse entrave na lei, certamente haverá uma reformulação”, aposta. Para ele, o mais conveniente seria o governo estabelecer um valor fixo, pois o valor do capital ainda é considerado alto, apesar de ser uma garantia aos credores.
O contador e vice-presidente de Fiscalização do CRC-RS, Celso Luft, acredita que toda novidade gera certo desconforto e insegurança. Na realidade, a Eireli tem as mesmas obrigações da empresa Ltda. Além disso, na visão de Luft, a contribuição sindical pode ser outro agravante que faz com que os empresários repensem a abertura do seu empreendimento, pois ela é calculada sobre o capital social e acaba sendo um custo alto para o pequeno empreendedor. No entanto, apesar das inconformidades jurídicas e dos aspectos negativos da lei, Luft aposta que, com a implantação da Eireli, muitas pessoas sairão da informalidade.
Escritórios acreditam nos benefícios da lei
O escritório contábil Meta Assessoria Empresarial, em Porto Alegre, foi o primeiro a registrar um cliente na Junta Comercial do Rio Grande do Sul (Jucergs). O processo ocorreu no dia 13 de janeiro, quatro dias após a validação da lei. O gerente administrativo da Meta, Eliezer Monteiro, diz que registrou três novas empresas e outras três ainda estudam a possibilidade de migrar para a nova modalidade. Segundo ele, o escritório analisa caso a caso, mas ainda considera a Eireli uma boa opção.
A contadora Ivone da Cunha Fernandes, do escritório Procont Assessoria e Contabilidade, na Capital, também registrou uma cliente na modalidade recém-criada. O escritório estudou o novo empreendimento e chegou à conclusão de que a firma individual não era adequada para a nova empresa. “Para toda pessoa que quiser constituir uma empresa individual, iremos sugerir a Eireli”, afirma.
Na opinião de Ivone, o governo deu um grande passo para a formalização da sociedade unipessoal. Segundo ela, a grande vantagem para esse novo modelo é que as regras são as mesmas previstas para a Sociedade de Responsabilidade Limitada (Ltda). Já no caso da firma individual, o empreendedor compromete seus bens particulares com as dívidas da instituição e, no caso de execuções fiscais, a busca dos bens do patrimônio pessoal não necessita de autorização judicial, ela acontece automaticamente, o que não é permitido na Eireli.
Ou seja, até a vigência da Lei nº 12.441, nas empresas compostas somente por um sócio, os bens pessoais tornavam-se garantias do negócio. E, em caso de falência, a lei permitia confiscar o patrimônio para cobrir as dívidas. Já na Eireli os bens do titular da empresa são resguardados.