Nos dias atuais, vários fatores trouxeram profundas transformações ao mundo do trabalho: modificações geopolítico-ideológicas, a globalização, a economia de mercado, a crise econômica, as multinacionais, a tecnologia e a reestruturação produtiva.
As relações coletivas de trabalho, que abrangem o estudo do sindicato, da greve, das convenções e acordos coletivos e a forma de solução dos conflitos coletivos foram as que mais mudaram.
Nos dias atuais, não raro uma empresa é forçada a despedir um número considerável de trabalhadores visando a sua continuidade saudável e a garantia de trabalho dos demais empregados.
O regime geral de proteção da relação de emprego está disposto no art. 7º, I, da Constituição de 1988:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.
Por sua vez, o art. 10, I, do ADCT, dispõe que, até que não seja editada a lei complementar anunciada pelo art. 7º, I, a reparação dos trabalhadores será disciplinada pela Lei nº 8.036, de 1990, no seu art. 18, parágrafo 1º, e pela CLT, ambos repositórios de leis sobre despedidas individuais sem justa causa, que não proíbem as despedidas coletivas.
A noção de despedida arbitrária prevista no art. 7º, I, depende de lei complementar. Enquanto não for editada, a despedida coletiva corresponde à soma das despedidas individuais previstas no art. 482, da CLT, recepcionado pela Constituição de 1988.
Já a Convenção nº 158, de 1982, da OIT, para evitar a dispensa sem justa causa, estabeleceu que o empregador só pode dispensá-lo por comprovação de motivo justo. Foi ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 68, de 1992. Quatro anos depois o Brasil a denunciou por meio do Decreto nº 2100, de 1996, por considerá-la incompatível com a Constituição, que permite a despedida sem justa causa, desde que o empregador pague as indenizações ao empregado.
Em diversos países há procedimentos especiais, mas demitir não é proibido
A doutrina tradicional entende que, na ausência da lei complementar regulamentando a despedida coletiva, não existe fundamento para impedir a empresa de rescindir os contratos de trabalho, desde que proceda ao pagamento das reparações legais, direito assegurado na legislação que rege os contratos individuais de trabalho no Brasil, com as alterações decorrentes da legislação do FGTS.
Não há também que se falar em negociação coletiva prévia, porque não é o caso de ajustar condições de trabalho, mas de dispor sobre a extinção do vínculo empregatício e consequências.
Há ainda o art. 170 caput e parágrafo único da Constituição de 1988, que reforça o seu art. 1º, IV, e assegura a livre iniciativa privada e o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização do Estado. Isso sem contar o art. 2º da CLT, que considera empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
A legislação brasileira, mesmo sem a regulamentação de despedida coletiva, permite ao empregador dispensar coletivamente seus empregados. A proibição ou restrição por qualquer meio, equivale à negativa da autonomia privada do empregador, ferindo o Estado de Direito e a Constituição.
A inexistência da proibição de dispensar afasta as restrições advogadas por alguns juízes que exigem a autorização sindical que não está prevista em nenhum preceito legal.
Nesse sentido, dois casos de despedida em massa alcançaram repercussão. No primeiro, o TRT da 2ª Região (SP) declarou a nulidade da dispensa coletiva, instando as partes à negociação. No segundo (Embraer), por diferença de um voto, os ministros do TST ressalvaram que, para os casos futuros de despedidas em massa, será necessária a negociação coletiva entre a empresa e os sindicatos. O assunto aguarda julgamento do Supremo.
A dificuldade de conciliar a proteção do trabalhador e os interesses da gestão da empresa mostram que, em diversos países foram estabelecidos procedimentos especiais. Porém, em nenhum caso a despedida é proibida e nem a reintegração dos empregados é obrigatória.
No direito comparado há instrumentos de controle da dispensa coletiva. Prevê-se comunicação às autoridades e aos sindicatos e à Previdência Social, mas as dispensas em virtude de dificuldades econômicas não são - e nem poderiam ser - proibidas no regime constitucional brasileiro.
Neste cenário, estaria o direito do trabalho brasileiro preparado para enfrentar futuras crises econômicas, como a de 2008, que atingiu o mundo todo, e milhares perderam seus empregos?
Nesse aspecto, é importante que o legislador edite a lei complementar preenchendo a lacuna e estabelecendo a conciliação das prerrogativas do regime da livre iniciativa e das reparações de proteção daqueles que perdem o trabalho.
Cássio Mesquita Barros
Cássio Mesquita Barrosl é sócio titular do Mesquita Barros Advogados, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP e membro do Comitê pela Aplicação das Normas de Segurança do Trabalho da OIT.
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Fonte: http://www.sitecontabil.com.br/noticias/134.html Valor Econômico